quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Os segredos de empreendedorismo das startups de TI

Celebrada como a maior festa das comunidades digitais do País, a Campus Party assumiu neste um perfil negocial. Não deixou de lado seu estilo geek-nerd-gamer-futurista, mas deu novo grau de relevância a questões como empreendedorismo e inovação, aproximando ciência e criatividade do mundo empresarial e dando boas dicas de como startups e pequenos empreendedores podem aprender com as grandes empresas e com os investidores – e vice-versa.

Realizado no fim de janeiro, o evento completou este ano sua sexta edição no Brasil com atividades em torno dos pilares empreendedorismo, educação inovadora e criação colaborativa. Foram 7,6 mil participantes, dos quais 5,5 mil acamparam no Parque Anhembi, em São Paulo. Novidades como o Cross Space, ponto de encontro entre empreendedores, investidores e empresas, e a Maratona de Negócios, que premiou com apoio do Sebrae modelos de startups desenvolvidas pelos participantes, reforçaram a tendência de estimular oportunidades de negócios e, ao mesmo tempo, ajudaram a desenhar um cenário que também está estimulando a busca de novas possibilidades por companhias com foco em crescimento e diferenciação em seus mercados.

As iniciativas premiadas no evento dão dicas do que está sendo valorizado no momento. Na Maratona, onde cada uma das 36 equipes teve cinco minutos para se apresentar ao júri formado por representantes do Sebrae, da Campus Party e de quatro investidores que atuam na área de inovação, as ideias de serviços e soluções tecnológicas foram premiadas com orientação da entidade e vagas no programa Empretec, de desenvolvimento de empreendedores, e devem ser úteis para os grandes eventos esportivos. Já o Hackathon, também criado pelo Sebrae, desafiou programadores a criarem ao longo de uma maratona de 17 horas aplicativos em software livre, com base na metodologia Canvas, para ajudar empreendedores a desenhar modelos de negócios.

A questão é que ter a ideia e desenhá-la é só o começo – colocá-la em prática é outra história, mas é isso que os investidores valorizam. “O projeto no papel é bacana. Mas precisamos avaliar a capacidade de transformá-lo em algo concreto”, diz Cássio Spina, da Anjos do Brasil, organização criada para apoiar o desenvolvimento de inovação por investidores anjo. Segundo ele, eles buscam em geral negócios que tragam algo diferente do que já existe, inovações transformadoras ou incrementais que apresentem vantagens competitivas em produtos, serviços ou modelos de negócios ou produção. Mas sempre de olho na capacidade de execução do empreendedor. “Histórico e desempenham aumentam a atratividade. Ganham pontos protótipos, provas de conceito, aquilo que foi feito com recursos próprios”, descreve. Ter clientes de fato que comprovem a demanda, claro, é a cereja do bolo.

“Execução é a característica-chave do bom empreendedor”, concorda Carlos Pessoa, diretor da Wayra Brasil, aceleradora do grupo Telefônica nascida para estimular iniciativas nas áreas de inovação e tecnologia. Ex-Endeavor, ele traduz a capacidade de execução como foco total na ideia, com mobilização de recursos escassos para fazê-la acontecer. O interessado que larga tudo para se dedicar ao seu projeto? É esse que vai dar certo, diz. “Entre o cara que gastou mil horas para formatar um plano de negócio e o outro que gastou cem para colocar um site no ar, mas já tem visitantes, priorizamos o segundo”, exemplifica. “No empreendedorismo digital tempo é o recurso mais escasso. A janela de oportunidade dura pouco, alguém pode ter a mesma ideia e criar mais rápido.”

A criação da Wayra há pouco mais de dois anos foi a maneira que a operadora encontrou para buscar inovação também fora de casa. A iniciativa chegou ao Brasil em 2011 e ganhou o apoio do fundo de capital de risco Amérigo, nascido no ano passado com adesão dos governos da Espanha, Colômbia, Chile e Brasil com capital inicial em torno de 300 milhões de euros – o investimento inicial da Telefônica soma 68 milhões de euros em cinco anos. A aceleradora já tem em seu portfólio 120 iniciativas em 12 países, uma dezena delas no Brasil, onde cada uma recebeu 100 mil reais e suporte como espaço físico, infraestrutura, apoio à gestão e ferramentas para concretizar a ideia inicial, da qual a Wayra se torna sócia minoritária.

Uma das investidas da Wayra por aqui é a Qranio, de Samir Iásbeck, animado empreendedor que, aos 31 anos, já vendeu picolé, montou salão de cabeleireiro, lava rápido e empresa de software – a Emiolo.com, a única bem-sucedida e que deu origem ao novo empreendimento. A história de Samir dá mostras da capacidade tão celebrada pelos investidores. Formado em administração, era funcionário exemplar de uma empresa enquanto dedicava salário e horas extras a iniciativas particulares, até que optou pela demissão e priorizou o negócio de desenvolvimento de sistemas. Foi quando percebeu que alguns produtos com tíquete maior podiam ser turbinados, mas outros davam prejuízo, como o Qranio.

Só que o aplicativo criado para fazer do aprendizado uma brincadeira era um xodó do ex-estudante distraído a quem o sistema tradicional de ensino teve apelo zero. E mereceu tratamento especial. Iásbeck estudou tudo que envolvia gamificação e e-learning, chamou para cofundadores de uma nova empresa dois funcionários da Emiolo – Giancalos Menezes e Flávio Augusto –, e, quando a plataforma chegou a dois mil usuários, decidiu-se pela dedicação exclusiva. Deu certo: depois de receber 100 mil reais da Wayra, a startup fechou no início do ano aporte de meio milhão de reais com o investidor anjo Gui Affonso. Hoje com 14 milhões de usuários cadastrados e uma equipe dedicada de 15 pessoas, já tem aplicativo para web, Android, iOS, Facebook e SMS, fechou acordo com a Vivo e com a Pepsico e está negociando com bancos para “gamificar” a educação financeira. E a Emiolo? “Tive mais êxito abandonando a empresa. A Qranio gera leads”, diz. “Foco é o mais importante. Fazer várias coisas ao mesmo tempo desqualifica e tive de jurar para mim mesmo não montar mais empresas.”

A Locaweb também decidiu expandir seu DNA de inovação ao mercado e criou, no ano passado, uma espécie de incubadora para acolher três startups escolhidas entre quase 400 inscritas no programa Startup Locaweb, em parceria com a Endeavor. A meta foi incentivar a inovação e o empreendedorismo com ideias, infraestrutura, conhecimento, networking e um prêmio de 30 mil reais – a empresa não tem participação nas iniciativas selecionadas e duas delas sequer têm muita ligação com os serviços prestados pela Locaweb, como as plataforma de pesquisa online Head Up e de crowdfunding Catarse (a outra é o site de demanda coletiva Taxei, que inverte a lógica das compras coletivas registrando primeiro o interesse de um grupo em determinado produto ou serviço para só depois ir atrás das ofertas).

“A inovação é um dos pilares da empresa. E o sucesso depende da paixão do empreendedor”, justifica o gerente de marketing institucional Luis Carlos dos Anjos. A própria Locaweb, empresa de hosting nascida em 1997 quando a internet ainda engatinhava no País, teve no modelo de negócios apoiado em um ecossistema de desenvolvedores de sites que fazem o papel de canal de vendas um de seus principais elementos de sucesso. Hoje, incentiva funcionários com prêmios, reconhecimento, tempo livre de duas a quatro horas semanais e espaços descontraídos para criarem soluções bacanas, como um sistema de telefonia baseado em software livre que consumiu dois anos de desenvolvimento, mas evitou a aquisição de um novo equipamento. Mas também surgem projetos menores, como a solução para colocar o cardápio do restaurante na intranet, criado por iniciativa própria de um colaborador.

Para quem se interessa em desenvolver o intraempreendedorismo como apoio ao processo de inovação, o gerente de startup network da Endeavor, Pablo Ribeiro, sugere inspiração e metodologia. Isso se traduz, de um lado, por aproveitar o legado de conhecimento gerado por outras empresas que deram certo (palestras e benchmark são enriquecedores neste sentido) e, de outro, buscar entender como criar soluções mais eficientes ou inteligentes que gerem mais valor para usuários ou clientes. “Isso vale desde processos, como marketing, recursos humanos ou P&D e para o mercado, com a criação de novos produtos e serviços”, pontua.

O especialista sugere a adoção do modelo lean startup, com ciclos menores de aprendizagem. Um exemplo é promover uma imersão com o consumidor, descobrir suas dores e, a partir destes insights, criar hipóteses e soluções, promovendo testes para validação do conceito antes da criação de produtos finais. “Quem inova erra, tem de partir dessa premissa. A questão é quanto tempo vai levar até acertar. A ideia é errar o mais rápido e barato possível e aprender com isso, até ter a solução matadora que atende a necessidade do mercado”, diz.

Outras formas

Em empresas grandes e mais engessadas o desafio pode ser resolvido com a terceirização, por aquisição de serviços ou de empresas menores ou com a criação de áreas independentes. Para menores, recursos compartilhados, inclusive com outras empresas, é uma das soluções. Empresas médias podem funcionar com comitês internos. A Acesso Digital, apoiada pela Endeavor, ganhou por duas vezes consecutivas a vice-liderança entre as melhores empresas para se trabalhar em TI com o apoio do empreendedorismo interno. Os funcionários são instados a criar projetos que vão desde oferecer a viagem dos sonhos para quem bater suas metas até a produção de videoteca para locação de jogos e DVDs. Quem sugerir o projeto se torna líder dele. “Estimula a cabeça de empreendedor dentro da organização”, destaca Ribeiro.

Segundo ele, o perfil ideal do empreendedor é aquele cujo sonho é maior que ele mesmo e tem foco em um legado para a sociedade. “Sonhar pequeno ou grande dá o mesmo trabalho. E querer ficar rico é muito pobre”, exemplifica. Mas, além do holofote que recai sobre a tecnologia de internet, quatro grandes pontos de atenção este ano em relação a tecnologia são redes sociais, nuvem, big data e mobile.

Box

Empresas maduras não ficam de fora

Nem só de startups vive o empreendedorismo. Empresas mais maduras podem ir a mercado adquirir este espírito fora de casa, mas um bom número está fomentando internamente seus colaboradores para ganhar mais visão de oportunidade de negócios e desenvolver projetos interessantes, inovadores e rentáveis.

A BRQ adotou este caminho. Além de uma área de fusões e aquisições que busca oportunidade de bancar empresas com negócios complementares – inclusive startups –, há três anos montou uma área de novos negócios e colocou lá dentro as ofertas mais inovadoras, relacionadas a cloud, redes sociais e mobilidade. Para vender com propriedade, fez de si própria alvo de projetos piloto estimulando as diferentes áreas a criarem programas de inovação em áreas como back office.

Um dos exemplos é a comunicação interna. Tradicionalmente apoiada em murais, ganhou solução em rede social, com vídeo. Hoje a BRQTube tem personagens entrevistadores e linguagem descontraída para o público mais jovem. Outro foi a migração do ambiente corporativo de e-mail e colaboração para a nuvem – hoje os equipamentos e as salas de videoconferência competem com soluções ponto a ponto na web e cada site novo já conta com espaço reservado para mesas de mobilidade, que são compartilhadas levando em conta que os funcionários podem estar em casa, no cliente ou na empresa acessando sistemas e informações por dispositivos móveis.

“Vamos dar o exemplo e servir de vitrine”, diz o vice-presidente Antonio Eduardo Rodrigues. A iniciativa rende também linguagem apropriada para o cliente interno das áreas de TI das empresas contratantes. “Temos mais propriedade e podemos fugir do ‘tequiniquês’”, alega o executivo. A nova área ainda é pequena, tem só 15 funcionários dedicados entre os quatro mil da empresa e gerou negócios de 2 milhões de reais, contra um faturamento global de 450 milhões de reais anuais. Mas, graças a ela, a BRQ já está estudando tecnologias como big data e iniciativas como o lançamento de softwares próprios como serviços.

Na Ci&T, que hoje tem 1,6 mil funcionários, quatro escritórios no Brasil, três no exterior (na Argentina, nos Estados Unidos e na China) e está abrindo um quarto na Europa, o desenvolvimento de inovação tem três focos direcionados ao público interno. O primeiro está relacionado à competitividade do negócio, baseado em desenvolvimento de software sob demanda e envolve questões relacionadas à atualização tecnológica e novos modelos de desenvolvimento. Outro é relacionado à “produtização” – a empresa começa a testar ofertas acopladas a modelos de serviços.

“O terceiro é o desenvolvimento de startups responsáveis por negócios ortogonais à empresa”, explica Flávio Pimentel, vice-presidente. O objetivo, neste caso, é auxiliar colaboradores que tenham interesse em criar ou intensificar negócios próprios com funding e apoio, desde que distantes do core business da Ci&T, que vai se tornar sócia da nova iniciativa. Ipanemagames.com, na área de games; Runner.com, plataforma de desenvolvimento para praticantes de corrida; e Markts.com, focada em social commerce, já compõem o programa, lançado em 2011, aberto a todos os funcionários e dividido em duas fases – na primeira empresa e funcionário desenham melhor o negócio e promovem testes e, na segunda, com mais maturidade, o responsável passa a se dedicar totalmente ao empreendimento para depois ser promovido o spin-off da empresa. “Até o fim do ano, pelo menos duas iniciativas atingirão este estágio”, adianta Pimentel.

Fonte: http://crn.itweb.com.br - Campus Party - 27 de fevereiro de 2013

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