quinta-feira, 14 de julho de 2011

Por que o brasileiro não cria algo como o Facebook?

O diretor geral da Sociedade Brasileira Pró-Inovação Tecnológica conta por que o Brasil ainda não é um player internacional em inovação.

Por Amanda Camasmie

Em meio à esfera intelectual de Harvard, uma das mais conceituadas universidades do mundo, um jovem decide criar uma nova forma de se comunicar com os outros estudantes. A novidade começa a fazer sucesso entre os alunos e rapidamente se expande para fora do campus, se tornando uma das novas febres virtuais. De olho no potencial da nova rede, um grande empresário decide investir no projeto. Em pouco tempo nascia o Facebook, a maior rede social do mundo, com mais de 750 milhões de usuários. E por que grandes ideias como o Facebook dificilmente nascem em solo brasileiro? O sucesso do Facebook se deve a uma boa ideia que recebeu investimento. Alguém quis assumir o risco. No Brasil não há esse ambiente de estímulo ao empreendedorismo, afirma Roberto Nicolsky, diretor-geral da Sociedade Brasileira Pró-Inovação Tecnológica (Protec).

Doutor em Física pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e mestre em Física pela Universidade de São Paulo (USP), Nicolsky conta aqui por que o Brasil ainda não está preparado para se tornar um player internacional em inovação.

Por que o brasileiro não tem grandes ideias como o Google, o Facebook e a Microsoft?
O Bill Gates (ex-CEO e fundador da Microsoft) quando fez a sua empresa foi a um banco e recebeu dinheiro. Quem pode fazer isso aqui no Brasil? O Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES) só empresta se você tiver patrimônio. Aqui, um estudante como Bill Gates não teria chance. O fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, depois que desenvolveu um pouco melhor sua ideia também recebeu ajuda. Com o Google foi a mesma coisa. Não há no Brasil esse estímulo ao empreendedorismo, por isso o país nunca lidera essas iniciativas. Mesmo assim, ainda tivemos algumas boas ideias, como o site de buscas Cadê, depois vendido ao Yahoo. Os empresários que conseguiram sucesso aqui só deram certo porque já tinham dinheiro para desenvolver a tecnologia.

E quais são as outras dificuldades do Brasil para inovar em tecnologia?

Uma das principais dificuldades é a falta de incentivo governamental. Quando uma empresa inova, ela está aumentando o seu faturamento e a maior beneficiada é a carga tributária, que é de 37%. A empresa, por sua vez, se tiver um lucro de 8% já pode ficar feliz. Precisamos de políticas públicas ousadas, de um governo que compartilhe com a indústria o risco da inovação, para que ela tenha confiança em se lançar mais em um processo contínuo de agregação de inovações. Não é uma inovação aqui ou outra ali adiante. Precisa ser um fluxo contínuo. Não podemos deixar que os concorrentes se tornem mais competitivos do que a própria indústria. O artigo 8º da Organização Mundial do Comércio (OMC) permite que o governo compartilhe até 75% em inovação. Países como a Índia e o Japão tiveram sucesso nesse “compartilhamento”, e o Brasil continua sem grandes investimentos nessa área. Temos um déficit tecnológico.

E qual é o tamanho do nosso déficit tecnológico?

Em 2010, a conta bateu o recorde de US$ 85 bilhões negativos, ou seja, são 33% a mais do que em 2008. E o que significa isso? Que a nossa competitividade tecnológica está baixa no comércio exterior. Neste ano, o nosso déficit deve ultrapassar a casa dos US$ 100 bilhões. Você pode ver o quanto o Brasil está jogando dinheiro fora em tempo real, no site Deficitometro Tecnológico, a soma já está em mais de 83 bilhões de reais.

Então quais são as alternativas para as empresas?
Enquanto o governo não fizer um investimento ousado e der um apoio à inovação tecnológica das empresas continuará difícil. As empresas só inovam de acordo com as suas possibilidades, evitando um mal maior. Isso não está sendo suficiente. Antes você só tinha automóveis nacionais. A competição entre os produtos nacionais e importados está ficando destruidora para a indústria nacional. O Brasil não fabrica mais celular porque não encontra mais componentes. Isso também se aplica a televisores e tocadores de CD e DVD. As nossas fábricas só montam os produtos. Os componentes são todos importados.

Somos então apenas “apertadores de parafuso”?

Exatamente. Nós não fabricamos nada, tudo vem de fora. Nós apenas fazemos a montagem. Outra questão é que quando você compra uma máquina chinesa, você não comprou apenas uma máquina, você fez uma opção tecnológica. É mais barato sempre comprar uma chinesa. O brasileiro resiste quanto pode, mas há um limite para essa resistência. O país está em um processo de desindustrialização pela perda de conteúdo tecnológico em sua produção. Enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) cresce em média 3,5% ao ano, o setor tecnológico cresce cerca de 2% ao ano. Portanto, o setor está perdendo conteúdo, importância econômica dentro do PIB. No século passado, o Brasil teve seu crescimento todo puxado pela indústria, hoje ele exporta cada vez mais commodities e está perdendo consistência na sua indústria. Do ponto de vista estrutural, nós retrocedemos. E o resultado disso é que estamos nos voltando a um perfil de economia dependente do preço externo. Temos dezenas de competidores que fazem a mesma coisa que o Brasil. Não sou contra as commodities, sou contra só se preocupar com elas e abandonar o apetite industrial. É exatamente o contrário do que fizeram a Índia e a China.

E a medida provisória que isenta os tablets como o iPad de impostos? Isso é suficiente para o desenvolvimento do aparelho no país, para avançarmos na inovação?
Vai ser a mesma coisa. Eles vão trazer os componentes da China e montar aqui. Até a etiqueta “Made in Brazil” vem de fora. Precisamos voltar a fabricar. Há 15 anos o Brasil deixou de fazer isso.

O que mudou para pararmos de fabricar?

O mundo mudou. Agora estamos na era da globalização. A situação da indústria foi completamente revertida. Hoje se reduz as alíquotas, se flexibiliza o câmbio e se eleva a taxa de juros para atrair o dólar. Nesse novo cenário, o governo deveria ter baixado as alíquotas, mas precisaria ter tornado as indústrias brasileiras mais competitivas, compartilhando o risco da inovação.

Mas como fugir da dependência do governo? Precisamos depender dele para inovar?
Ninguém é e nem deve ser depende do governo. Ele só participa do risco tecnológico e deve apenas adiantar o recurso para fazer a inovação. Uma empresa que inova continuamente investe 5% do seu faturamento em inovação. Se o governo transferir à empresa 100% do que ela vai gastar em inovação, ele se beneficiaria com 37% do resultado. O governo só precisa compreender isso, assim como os governos de outros países como Japão, Coreia, China e Índia. Depois que a empresa vence essa resistência e começa a inovar, ela nem precisa mais do governo. A própria Petrobras não precisa. Ela gera lucro e aplica parte desse lucro. O governo ajuda a romper essa dificuldade de passar de um estado de inovação defensiva para a ofensiva, em que a empresa passa a ser um player proativo, atuante. O que o estado vai fazer é continuar fomentando isso através do compartilhamento do risco em coisas mais ousadas. Pegue como exemplo os EUA, a maior economia do mundo. Lá, o estado financia o desenvolvimento tecnológico da indústria, mas não 100%. É um investimento de 30% em tecnologia e dessa porcentagem, um terço vai para as universidades. O restante dos recursos é aplicado no compartilhamento com a indústria em projetos mais arrojados, como desenvolver um novo avião.

O Brasil já produziu alta tecnologia? O que precisamos fazer para desenvolver essa produção?
Em alguns setores desenvolvemos alta tecnologia, como é o caso de perfuração. A Petrobras, que é uma empresa de alta competência tecnológica, faz isso bem. Como ela é do Estado, o governo investiu nela, compartilhando o risco. A Petrobras cresceu e aprendeu. Outro exemplo é a Embraer. Ela tem pleno domínio tecnológico de seus produtos. Mas as políticas públicas também precisam ser feitas para atender a empresas médias. E é por isso que muitas delas quebraram - por fazer tentativas ousadas. A Metal Leve é um exemplo. Ela tentou se tornar um grande player internacional em tecnologia de autopeças e falhou. O controle acionário teve de ser passado à alemã Mahle. Você pode contar algumas histórias de sucesso, mas para cada uma delas, há dezenas de insucessos.

E não podemos fazer inovações a um baixo custo?

O custo pode não ser alto, mas para fazer isso continuamente é preciso infraestrutura, maquinário etc. Tudo isso exige investimento. E há outra questão: se esse empresário, ao longo do tempo, não introduzir as inovações do seu concorrente, ele perderá mercado. É uma postura defensiva e o que precisamos agora ser é ofensivos.

O que é, afinal, inovação tecnológica?
É tudo aquilo que você agrega ao produto no seu processo de fabricação. Ou seja, é o que se desenvolve para melhorá-lo. Não é uma invenção genial. Pense no celular. Os antigos aparelhos tinham o teclado exposto. Alguém percebeu que as teclas poderiam ser ativadas acidentalmente e criou-se o flip. Outro percebeu que os comandos poderiam ser feitos na própria tela, então foi desenvolvido o touchscreen (tela sensível ao toque). Um celular de geração 3G tem milhares de inovações agregadas. São pequenas coisas que vão se somando e quando você percebe, ele se tornou um produto inovador. Voltando à questão do custo, ele não é tão alto, mas para fazer isso continuamente é preciso infraestrutura.

O senhor citou a necessidade de infraestrutura. Uma alternativa não seria fazer parcerias com centros de pesquisa?

A empresa precisa ser a protagonista. A inovação se faz atendendo à demanda dos clientes, do mercado. Se eu fabrico um celular e vejo que meus concorrentes lançaram algo inovador, preciso providenciar isso para o meu celular. Ou seja, a companhia precisa inovar, pois é ela que está acompanhando o mercado. Se os especialistas da empresa não tiverem a capacitação tecnológica em determinada etapa do processo, é nesse momento que os pesquisadores e universidades devem ser procurados. O Brasil faz o inverso, ele quer que a universidade desenvolva as ideias e isso está errado. Só pela sorte ela vai acertar o que o consumidor quer. Eu fiz muito isso quando trabalhei em uma fabrica de máquinas e ferramentas. Quando eu precisava, recorria ao Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), que fica na Universidade de São Paulo (USP), e utilizava materiais que eu não tinha. Seria um grande prejuízo parar minha produção de ferramentas para testar uma maneira diferente de desenvolver algo, quando eles já tinham isso facilmente à mão.

Quanto as empresas precisam investir em tecnologia?
Se ela quiser fazer uma inovação ofensiva, ou seja, se diferenciar no mercado, deve aplicar a partir de 5% do seu faturamento. Mas depende do segmento, essa regra seria interessante para farmácia ou eletrônica, por exemplo. Se a companhia tem 8% de lucro e aplica 4% em inovação, ela aumenta em muito seu risco. Se ela for mal sucedida, pode quebrar. É preciso estar disposto a assumir o risco e contar com um pouco de sorte também.

Sem considerar todas as dificuldades para inovar, pode-se dizer que as empresas estão fazendo algo errado?

Elas poderiam ousar um pouco mais. Mas é difícil se aventurar muito. As empresas querem preservar a manutenção, o patrimônio e o ativo. Querem a segurança máxima e o lucro possível dentro disso. Então, sem a ajuda do governo, o percentual em inovação é relativamente pequeno. Mas podem tentar mobilizar parceiros institucionais, como o IPP ou o SENAI, por exemplo.

Qual é o caminho para o Brasil, então? O correto é que sejamos autosuficientes?
Uma maneira de ganhar tempo é aprendermos com alguém e depois desenvolvermos nossa própria tecnologia. Na década de 90, um chinês me disse certa vez que aprenderia com os alemães a fazer trens e depois os faria sozinho. Hoje, a China tem mais trilhos e trem-bala do que todo os outros países somados, são mais de 6 mil km de trilhos. A Índia produzia a metade do Brasil em patentes. Criou então a lei de Desenvolvimento Tecnológico 1995, e três anos depois já ultrapassava o Brasil. Hoje, esse país cresce 20% anualmente em patentes, produzindo até dez vezes mais que o Brasil.

Quanto o governo precisaria investir para mudarmos o cenário brasileiro?

O governo teria de liberar os R$ 3 bilhões que não investe em tecnologia. Se fizesse o mesmo que está oferecendo ao Pão de Açúcar seria uma revolução no Brasil. Se o governo colocar algo como 0,2% do PIB já seria suficiente para a revolução tecnológica. Hoje o país sofre um déficit tecnológico porque tira mais do setor produtivo do que oferece em troca. O governo retira de imposto cerca de 3 bilhões de reais e devolve, em média, 14% desse valor. Mas ele retira do imposto das próprias empresas e não do montante que deveria ser destinado ao segmento.

E se o governo seguir por esse caminho, em quanto tempo poderíamos ver uma diferença?
Se o governo fizer esse investimento, daqui três anos já veremos diferenças substanciais. Nós temos uma estrutura melhor do que a da China, então podemos crescer. Só precisamos de um Estado que queira compartilhar o risco tecnológico e de indústrias que queiram inovar.

Fonte: http://epocanegocios.globo.com/

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